quarta-feira, 12 de março de 2008

A campanha do Youtube




Os candidatos à Presidência dos Estados Unidos descobrem a internet -- e criam um novo modelo de marketing político

Por Daniel Hessel Teich

Vídeo de sucesso no YouTube normalmente costuma ser sinônimo de celebridades flagradas em um momento constrangedor. Nas últimas semanas, essa regra infalível tem sido subvertida por um videoclipe que promove a candidatura do senador americano Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata. De acordo com o site Viral Video Chart, do conglomerado inglês MediaGuardian, o vídeo Yes We Can ("Sim, nós podemos") -- produzido com trechos de discursos de Obama e protagonizado por uma constelação de astros pop -- foi o mais compartilhado da rede nos últimos 30 dias. Desde que entrou no ar, no dia 4 de fevereiro, mais de 11 milhões de pessoas baixaram o vídeo, produzido por Jesse Dylan, filho do cantor Bob Dylan, e pelo líder da banda Black Eyed Peas, William James Adams. Por 4 minutos, celebridades como a atriz Scarlett Johansson, o jogador de basquete Kareem Abdul-Jabbar e o pianista Herbie Hancock cantam trechos musicados de discursos de Obama marcados pelo refrão "Yes we can", espécie de mantra do pré-candidato do Partido Democrata. "O Yes We Can é a grande novidade política da internet", escreveu o colunista de política Alex Koppelman, da revista online Salon.
O vídeo dos artistas em apoio a Barack Obama é o exemplo mais cristalino da nova dimensão que o site YouTube -- e a própria internet -- passou a ter para o market-ing político nos Estados Unidos. Cada um à sua maneira, os três principais candidatos da disputa transformaram a rede de computadores em vitrine privilegiada de suas campanhas. Em 2007, a ex-primeira-dama e pré-candidata Hillary Clinton, que disputa com Obama a candidatura pelo Partido Democrata, estrelou ao lado do marido, Bill Clinton, um vídeo de grande sucesso no YouTube que parodiava a cena final do seriado Família Soprano (veja quadro na página seguinte). O republicano John McCain tem divulgado regularmente em seu website vídeos de discursos e eventos dos quais participa. Tanto Obama como Hillary e McCain têm páginas publicadas e constantemente atualizadas em sites de relacionamento, como MySpace e Facebook, que têm funcionado como base de mobilização de simpatizantes nas eleições primárias. Sites de busca, como Google e Yahoo!, tornaram-se parte da estratégia publicitária das campanhas, concorrendo com o rádio e a televisão na distribuição de anúncios. O comitê de campanha de McCain, por exemplo, montou uma estratégia agressiva no Google em que o anúncio com o nome do candidato aparece em buscas envolvendo mais de 2 500 palavras, como president, McCain e mesmo Obama e Clinton. "A internet tornou-se hoje para a política o que a televisão foi na década de 60 e o rádio na década de 40", disse a EXAME o consultor Peter Leyden, do New Politics Institute, centro de estudos americano especializado no estudo do impacto das novas tecnologias no marketing político.
A primeira vez em que a internet apareceu associada diretamente às campanhas políticas foi nas eleições presidenciais de 2004. Durante as primárias daquele ano, o pré-candidato democrata Howard Dean -- que disputava a indicação do partido com John Kerry -- criou um sistema de arrecadação de fundos em seu website. Por meio dele, os simpatizantes escolhiam valores entre 50 e 100 dólares e pagavam com cartão de crédito, como se fosse uma compra online. A candidatura de Dean não prosperou e Kerry foi escolhido -- e, posteriormente, também derrotado pelo presidente George W. Bush --, mas o sistema de arrecadação de fundos provou-se um sucesso.

A ESTRATÉGIA FOI ADOTADA por todos os candidatos na campanha deste ano, mas Barack Obama tem sido particularmente bem-sucedido nesse tipo de arrecadação. Em janeiro, o candidato conseguiu arrecadar o valor recorde de 36 milhões de dólares basicamente com contribuições de até 100 dólares, 90% das quais feitas pela internet. Em 26 de janeiro, o comitê de Obama registrou em apenas 1 hora 500 000 dólares em doações pela internet logo depois de o candidato vencer as primárias do estado da Carolina do Sul. "As doações online praticamente se dão em tempo real quando um candidato conquista um feito notável ou faz um discurso impactante, muitas vezes assistido na própria internet", diz Leyden, do New Politics Institute. "Os eleitores passaram a ter um poder real de influenciar as campanhas."
A excepcional performance de Obama na internet -- e a importância que sua campanha deu a esse recurso de marketing -- tem muito a ver com o perfil dos simpatizantes de sua candidatura. Obama é o candidato preferido de 61% dos jovens americanos com idade entre 18 e 24 anos, segundo uma pesquisa da rede de televisão CNN. É a parcela da população chamada de millenials (uma referência ao novo milênio), que tem grande afinidade com a internet. Entre os conselheiros de Obama está Chris Hughes, de 24 anos, co-fundador do Facebook, um dos mais populares sites de relacionamento dos Estados Unidos, com 50 milhões de usuários. Apenas em comunidades pró-Obama no Facebook estão cadastrados 355 000 membros. Por outro lado, os grupos hostis à rival de Obama na indicação do Partido Democrata, a ex-primeira-dama Hillary Clinton, agregam mais de 420 000 membros. Essa rede de apoios garante ao comitê de Obama um notável poder de mobilização via internet -- embora nem sempre isso se traduza em vitória nas primárias. Na cidade de Nova York, os partidários de Obama organizaram pela internet 292 eventos, ante apenas 13 organizados em favor de Hillary. Em São Francisco, os militantes de Obama realizaram 189 eventos, ante apenas nove de Hillary. No entanto, na totalização de votos nos estados de Nova York e da Califórnia, a política tradicional falou mais alto e Hillary venceu as primárias.
O uso da internet e do marketing viral na política se inspira, em certa medida, nas estratégias utilizadas em outro universo: o das grandes empresas. Nos últimos anos, companhias de todo o mundo têm aproveitado o poder de fogo de sites como YouTube e redes de relacionamento para fortalecer suas marcas e buscar novos consumidores, principalmente entre os jovens. O mais notável exemplo dessa estratégia foi desenvolvido pela subsidiária americana do gigante anglo-holandês dos produtos de consumo Unilever. Em 2006, a empresa criou o filme Dove Evolution, em que mostra o uso da tecnologia para transformar uma jovem comum em uma top model. O filme é até hoje um dos mais acessados do site, já atraiu mais de 15 milhões de espectadores e no ano passado foi o vencedor do Grand Prix do Festival de Publicidade de Cannes. "O uso da internet na política é uma conseqüência das inovações que começaram no setor privado", diz o consultor Leyden. "É um fenômeno que diz muito sobre como será o marketing daqui para a frente. Se eu fosse um presidente ou diretor de marketing de uma grande empresa, estaria analisando cuidadosamente cada passo desse movimento." Seja qual for o candidato vencedor das eleições presidenciais americanas, a campanha de 2008 promete entrar para a história como a primeira eleição na qual a internet teve, de fato, um peso relevante.


Três filmes relacionados à campanha eleitoral americana que se tornaram sucesso no YouTube
1. YES WE CAN: www.youtube.com/watch?v=jjXyqcx-mYY (Videoclipe criado de trechos de um discurso de Barack Obama. Teve participação de vários artistas e foi produzido por Jesse Dylan, filho do cantor e compositor Bob Dylan. 11,5 milhões de acessos desde a estréia, em 4 de fevereiro de 2008)
2. VOTE DIFFERENT: www.youtube.com/watch?v=6h3G-lMZxjo (Versão de um comercial da Apple de 1984 produzida por simpatizantes de Barack Obama. No filme, Hillary Clinton é mostrada como o Big Brother que controla tudo e todos. 5,3 milhões de acessos desde a estréia, em fevereiro de 2007)
3. HILLARY CLINTON SOPRANOS PARODY www.youtube.com/watch?v=9BEPcJlz2wE (Vídeo protagonizado por Hillary e Bill Clinton baseado na cena final do seriado Família Soprano. O filme foi um convite para os simpatizantes votarem na canção-tema da campanha da candidata. 1,5 milhão de acessos desde a estréia, em junho de 2007)
Revista Exame 06.03.2008

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