Profª Ms.
Maria Angela de L. Dummel
Mestre em Estudos da Linguagem
Especialista em marketing, publicitária.
Como
é comum em todo processo eleitoral, passado o fechamento das urnas, o assunto
do momento são os institutos de pesquisas que erraram e os que acertaram os
vencedores da eleição antecipando (ou na tentativa de antecipar) em pesquisas
de intenções de votos os resultados das urnas. Isso acontece principalmente
quando um dos candidatos “surpreende” nos resultados, para mais ou para menos,
como foi o caso de Aécio Neves, candidato à presidência do Brasil. A meu ver o
mais importante não é saber quem “errou” ou quem “acertou” nas pesquisas, mas
sim, saber o “porque errou?” e o “porque acertou?”. E para responder a essas
questões, outra, mais profunda, deve ser feita: “com qual intenção”? E já que
estamos a questionar, vale mais uma reflexão: para que serve uma pesquisa de
intenções de votos?
Ao
tentar responder a essa última pergunta, retomo, primeiramente, a origem do
objeto de estudo: para que serve uma pesquisa de marketing? No marketing, aqui
definido como “comercial” praticado por empresas e organizações com fins
lucrativos, Malhotra (2013, p. 06) define essa pesquisa como “a identificação,
coleta, análise, disseminação e uso de informações de forma sistemática e
objetiva para melhorar a tomada de decisões relacionadas com a identificação e
solução de problemas e oportunidades de marketing”.
Já
no marketing político, que se subdivide em marketing governamental e eleitoral,
a pesquisa tem sua utilidade conforme a área que a solicita. Se utilizada no
marketing governamental, tem como fundamento a coleta de informações para que o
governo conheça as demandas da população e trace, a partir disso, uma linha
administrativa que atenda essas necessidades. É possível também mensurar o grau
de aceitação/rejeição e satisfação/insatisfação do governo. Já o marketing
eleitoral, que visa primordialmente a eleição de um candidato, permite uma
infinidade de usos da pesquisa de opinião que vai desde a avaliação do “clima
eleitoral”, passando pela definição dos temas principais da campanha até o
pré-teste de peças publicitárias, dentre tantas outras funções. Aliás, o uso de
pesquisas como ferramenta estratégica em campanhas eleitorais é cada vez mais
frequente no Brasil já tendo alguns profissionais de marketing político se
recusando a atuar em campanhas que não investirem nessa ferramenta.
Mas
qual a função de uma pesquisa de intenções de votos no marketing eleitoral? Seu
objetivo principal, óbvio até, é o de munir o candidato contratante da pesquisa
com uma visão momentânea sobre a corrida eleitoral: quem são os principais
concorrentes e qual o posicionamento de cada um nas intenções de votos. A
partir daí, as estratégias para se manter ou subir nas intenções de votos serão
planejadas com a equipe de marketing político. É importante frisar que é uma
visão momentânea uma vez que o cenário de um período eleitoral muda com muita
frequência principalmente quando fatos, como o ocorrido nestas
eleições com o falecimento de um dos candidatos, alteram consideravelmente um
quadro que dava como certa a reeleição da atual presidente, Dilma Roussef.
Acontece
que no Brasil as pesquisas de intenções de votos extrapolaram, e muito, suas
funções primárias. De acordo com o site UOL, um dos muitos que acompanharam as
eleições de perto fazendo a cobertura das notícias, foram realizadas pelo
Instituto de pesquisas IBOPE onze pesquisas de intenções de votos no período de
22 de maio (antes do início das campanhas eleitorais) a 04 de outubro de 2014. Destas,
oito foram financiadas em parceria pela TV Globo e Jornal O Estado de São
Paulo; Uma financiada só pelo IBOPE; Uma em parceria só com a TV Globo; e,
finalmente, uma financiada só pela Confederação Nacional da Indústria. Nestas
onze pesquisas realizadas, a candidata Dilma Roussef começa com 40% das
intenções de voto, chega a ter 34% e finaliza no dia 04 de outubro com 40%
novamente. Já a candidata Marina Silva começa com 29% das intenções de voto,
alcança o pico de 33% e finaliza com 21% das intenções. Aécio Neves começa com 20% de acordo com as
pesquisas, cai para 15% e finaliza com 24% das intenções de voto de acordo com
pesquisas do instituto IBOPE. O candidato Everaldo Pereira começou com 3% e
encerrou com 1%. José Maria iniciou com1% e encerrou com 0%. Eduardo Jorge e
Luciana Genro mantiveram-se com os mesmos 1% do início até a última pesquisa de
intenções de voto pelo Ibope. Os candidatos Levy Fidelix, Mauro Iasi, Rui
Pimenta e Eymael não pontuaram em nenhuma das pesquisas. Brancos, nulos e
indecisos chegaram a 25% e finalizaram em 04 de outubro com 12%.
Não
muito diferente destes índices, o instituto Datafolha também realizou onze
pesquisas de intenções de voto no período de 02 de julho a 04 de outubro de
2014. Destas, nove foram financiadas em parceria com TV Globo e jornal Folha de
São Paulo e apenas duas das pesquisas foram pagas apenas pela Folha de São
Paulo e Datafolha. Pelas pesquisas deste instituto, a candidata Dilma Roussef
estava no dia 02 de julho com 38% das intenções, chegou a cair para 34% e
finalizou com 40%. No primeiro cenário com Marina Silva como candidata, pela
pesquisa do Datafolha, esta iniciou com 21% em 18 de agosto, chegou a 34% e
finalizou, na pesquisa de intenções de voto, com 22%. Por fim, Aécio Neves
começou com 20% no dia 02 de julho, chegou a ter 14% das intenções e finalizou
com 24% no dia 04 de outubro. O candidato Everaldo Pereira começou com 4%, caiu
para 2% e finalizou com 1%. José Maria iniciou com 2% e encerrou com 0%.
Eduardo Jorge e Luciana Genro mantiveram-se com os mesmos 1% do início até a
última pesquisa de intenções de voto pelo instituto Datafolha. Os candidatos
Levy Fidelix, Mauro Iasi, Rui Pimenta e Eymael não pontuaram em nenhuma das
pesquisas apresentadas pelo instituto. Os entrevistados que alegaram votar em
branco, nulo ou estarem indecisos chegaram a 27% e finalizaram em 04 de outubro
com 9%.
Quando
estes resultados são transmitidos massivamente pelos meios de comunicação,
inicialmente a cada 15 dias, passando para dez dias de intervalo, sete dias e
finalizando com dois dias de diferença entre uma pesquisa e outra, elas podem
construir e destruir candidatos. Basta prestar atenção nas conversas em
diferentes locais após a divulgação de cada pesquisa: elas se tornam o assunto
do dia seja em casa, no trabalho, na escola, nos bares ou nas redes sociais
(compartilhando, curtindo, comentando, “retuitando”, etc.). Com os resultados
dessas pesquisas, eleitores indecisos e os que haviam dito votar branco ou nulo
começam a repensar a decisão, a tomar um partido. Além disso, há aqueles que começam a se preocupar por ter escolhido, até então, o candidato que está na “lanterna” das pesquisas
apresentadas. Uma parcela desses eleitores considera
que votando em um candidato com poucas chances de vencer estariam
“desperdiçando” seu voto e, então, migram para outro candidato com mais
destaque nas pesquisas. Esta é uma das vertentes do chamado voto útil.
O
estudo científico do comportamento eleitoral é marcado, de acordo com ANTUNES
(2008), por três modelos de investigação que são: o modelo sociológico (que tem
como foco o estudo dos fatores sociais e suas influências no voto), o modelo
psicossocial (que tem a identificação partidária como principal fator de
explicação do comportamento dos eleitores) e o modelo da escolha racional (ou
modelo do voto econômico) da qual faz parte o voto útil e outras variáveis
racionais. Este último modelo utiliza, como referência, os estudos da economia
política e busca simplificar o comportamento eleitoral por meio de uma analogia
entre consumidores e eleitores: “se as empresas procuram maximizar os ganhos e
os consumidores agem no sentido de maximizar a utilidade podemos, então,
teorizar no sentido de que os eleitores procuram maximizar a utilidade do seu
voto enquanto os partidos agem no sentido de maximizar os ganhos eleitorais
obtidos com suas propostas políticas” (p.33).
Quando
pesquisas apontam com frequência que o candidato “X” está em constante
desvantagem na “corrida” eleitoral, este acaba sendo descartado por alguns
eleitores que buscam essa “maximização” da utilidade de seu voto. Mal sabe o
eleitor que aquele resultado ora apresentado como o resultado das urnas é algo
momentâneo, influenciado por diversos fatores, até mesmo pelas três, cinco ou dez
pesquisas anteriores que foram incansavelmente transmitidas pela mídia
“indicando” o caminho pelo qual o eleitor deve seguir se quiser que seu voto
realmente “faça a diferença” no processo eleitoral. E, assim, a tendência de
queda acaba se concretizando no abandono real de um candidato e de um programa
político que, inicialmente, poderia existir um público que concordava com o
mesmo. Se não houvesse essa migração do “voto útil” a partir dos resultados
apresentados pelas pesquisas de intenções de votos, o resultado final das urnas
poderia realmente evidenciar uma indicação do caminho (ou caminhos) desejado
pelo eleitor. Caso, após a tradicional pergunta feita nas pesquisas de
intenções de voto “se a eleição fosse hoje, em quem você votaria?”, fosse
questionado também se essa decisão é definitiva, talvez, parte dessa migração
também fosse contida.
Mas,
na medida em que muitos eleitores utilizam essas pesquisas como fonte de
informação para decidir seu voto, as mesmas têm sido usadas como eficientes
cabos eleitorais, com a clara intenção de indicar um “possível” caminho. Não
estou nem considerando aqui a forma como a notícia do resultado da pesquisa é
transmitida, que seria, para outro momento, outra fonte de análise do discurso
da mídia.
Voltando aos resultados propriamente ditos das pesquisas, é possível indicar
que o candidato “X” está caindo nas pesquisas, evidenciar que o candidato “Y”
está crescendo cada vez mais, enquanto o candidato “Z” está estagnado. Tecnicamente
isso pode ser feito sem a necessidade de burlar ou falsificar números, basta
que a maior (ou menor) parte das pessoas entrevistadas na amostra da pesquisa
faça parte (ou não) dos “redutos” ou colégios eleitorais do candidato que se
quer evidenciar (ou derrubar). E, no fim, não importará “quem errou” ou “quem
acertou”, mas sim, com qual intenção (para beneficiar ou derrubar qual dos
candidatos?). É preciso olhar nas entrelinhas de cada resultado de pesquisa
divulgada: quem realizou a pesquisa? Quem pagou pela pesquisa? A qual grupo
político estão ligados? São questões fundamentais.
Por
fim, é importante frisar que não é apenas a pequena possibilidade de vitória do
candidato ou partido inicialmente escolhido que interfere na decisão pelo “voto
útil”. De acordo com Antunes (2008) outra forte variável de influência é a
possível vitória de um partido político indesejado. Em suas palavras, “a
decisão pelo voto útil dependerá em larga medida da importância que o sujeito
der à necessidade de manter determinado partido fora do governo (p.38)”. Nesse
aspecto, o candidato à presidência Aécio Neves (PSDB) aproveitou bem este
argumento em seu último programa eleitoral gratuito que foi ao ar no dia dois
de outubro (primeiro turno). O último quadro do seu vídeo traz em áudio e texto
a frase “Aécio, o voto útil para vencer o PT”. Nas entrelinhas, o discurso
sugere: ao invés de votar em outros candidatos que não têm chances de ganhar a
eleição ou derrotar o Partido dos Trabalhadores, não desperdice ou “inutilize”
seu voto, escolha Aécio. Nesse discurso, qualquer outro voto que o eleitor
pudesse dar seria “inútil”. E ao que
parece o “voto útil” também será a tônica da campanha deste candidato no
segundo turno, com a clara intenção de atingir aqueles que rejeitam o partido
opositor. Nos resta aguardar para verificar como as pesquisas de intenções de votos serão apresentadas.