quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Das pesquisas eleitorais e o “voto útil”

Profª Ms. Maria Angela de L. Dummel
Mestre em Estudos da Linguagem
Especialista em marketing, publicitária.

Como é comum em todo processo eleitoral, passado o fechamento das urnas, o assunto do momento são os institutos de pesquisas que erraram e os que acertaram os vencedores da eleição antecipando (ou na tentativa de antecipar) em pesquisas de intenções de votos os resultados das urnas. Isso acontece principalmente quando um dos candidatos “surpreende” nos resultados, para mais ou para menos, como foi o caso de Aécio Neves, candidato à presidência do Brasil. A meu ver o mais importante não é saber quem “errou” ou quem “acertou” nas pesquisas, mas sim, saber o “porque errou?” e o “porque acertou?”. E para responder a essas questões, outra, mais profunda, deve ser feita: “com qual intenção”? E já que estamos a questionar, vale mais uma reflexão: para que serve uma pesquisa de intenções de votos?
Ao tentar responder a essa última pergunta, retomo, primeiramente, a origem do objeto de estudo: para que serve uma pesquisa de marketing? No marketing, aqui definido como “comercial” praticado por empresas e organizações com fins lucrativos, Malhotra (2013, p. 06) define essa pesquisa como “a identificação, coleta, análise, disseminação e uso de informações de forma sistemática e objetiva para melhorar a tomada de decisões relacionadas com a identificação e solução de problemas e oportunidades de marketing”.
Já no marketing político, que se subdivide em marketing governamental e eleitoral, a pesquisa tem sua utilidade conforme a área que a solicita. Se utilizada no marketing governamental, tem como fundamento a coleta de informações para que o governo conheça as demandas da população e trace, a partir disso, uma linha administrativa que atenda essas necessidades. É possível também mensurar o grau de aceitação/rejeição e satisfação/insatisfação do governo. Já o marketing eleitoral, que visa primordialmente a eleição de um candidato, permite uma infinidade de usos da pesquisa de opinião que vai desde a avaliação do “clima eleitoral”, passando pela definição dos temas principais da campanha até o pré-teste de peças publicitárias, dentre tantas outras funções. Aliás, o uso de pesquisas como ferramenta estratégica em campanhas eleitorais é cada vez mais frequente no Brasil já tendo alguns profissionais de marketing político se recusando a atuar em campanhas que não investirem nessa ferramenta.
Mas qual a função de uma pesquisa de intenções de votos no marketing eleitoral? Seu objetivo principal, óbvio até, é o de munir o candidato contratante da pesquisa com uma visão momentânea sobre a corrida eleitoral: quem são os principais concorrentes e qual o posicionamento de cada um nas intenções de votos. A partir daí, as estratégias para se manter ou subir nas intenções de votos serão planejadas com a equipe de marketing político. É importante frisar que é uma visão momentânea uma vez que o cenário de um período eleitoral muda com muita frequência principalmente quando fatos, como o ocorrido nestas eleições com o falecimento de um dos candidatos, alteram consideravelmente um quadro que dava como certa a reeleição da atual presidente, Dilma Roussef.
Acontece que no Brasil as pesquisas de intenções de votos extrapolaram, e muito, suas funções primárias. De acordo com o site UOL, um dos muitos que acompanharam as eleições de perto fazendo a cobertura das notícias, foram realizadas pelo Instituto de pesquisas IBOPE onze pesquisas de intenções de votos no período de 22 de maio (antes do início das campanhas eleitorais) a 04 de outubro de 2014. Destas, oito foram financiadas em parceria pela TV Globo e Jornal O Estado de São Paulo; Uma financiada só pelo IBOPE; Uma em parceria só com a TV Globo; e, finalmente, uma financiada só pela Confederação Nacional da Indústria. Nestas onze pesquisas realizadas, a candidata Dilma Roussef começa com 40% das intenções de voto, chega a ter 34% e finaliza no dia 04 de outubro com 40% novamente. Já a candidata Marina Silva começa com 29% das intenções de voto, alcança o pico de 33% e finaliza com 21% das intenções.  Aécio Neves começa com 20% de acordo com as pesquisas, cai para 15% e finaliza com 24% das intenções de voto de acordo com pesquisas do instituto IBOPE. O candidato Everaldo Pereira começou com 3% e encerrou com 1%. José Maria iniciou com1% e encerrou com 0%. Eduardo Jorge e Luciana Genro mantiveram-se com os mesmos 1% do início até a última pesquisa de intenções de voto pelo Ibope. Os candidatos Levy Fidelix, Mauro Iasi, Rui Pimenta e Eymael não pontuaram em nenhuma das pesquisas. Brancos, nulos e indecisos chegaram a 25% e finalizaram em 04 de outubro com 12%.
Não muito diferente destes índices, o instituto Datafolha também realizou onze pesquisas de intenções de voto no período de 02 de julho a 04 de outubro de 2014. Destas, nove foram financiadas em parceria com TV Globo e jornal Folha de São Paulo e apenas duas das pesquisas foram pagas apenas pela Folha de São Paulo e Datafolha. Pelas pesquisas deste instituto, a candidata Dilma Roussef estava no dia 02 de julho com 38% das intenções, chegou a cair para 34% e finalizou com 40%. No primeiro cenário com Marina Silva como candidata, pela pesquisa do Datafolha, esta iniciou com 21% em 18 de agosto, chegou a 34% e finalizou, na pesquisa de intenções de voto, com 22%. Por fim, Aécio Neves começou com 20% no dia 02 de julho, chegou a ter 14% das intenções e finalizou com 24% no dia 04 de outubro. O candidato Everaldo Pereira começou com 4%, caiu para 2% e finalizou com 1%. José Maria iniciou com 2% e encerrou com 0%. Eduardo Jorge e Luciana Genro mantiveram-se com os mesmos 1% do início até a última pesquisa de intenções de voto pelo instituto Datafolha. Os candidatos Levy Fidelix, Mauro Iasi, Rui Pimenta e Eymael não pontuaram em nenhuma das pesquisas apresentadas pelo instituto. Os entrevistados que alegaram votar em branco, nulo ou estarem indecisos chegaram a 27% e finalizaram em 04 de outubro com 9%.
Quando estes resultados são transmitidos massivamente pelos meios de comunicação, inicialmente a cada 15 dias, passando para dez dias de intervalo, sete dias e finalizando com dois dias de diferença entre uma pesquisa e outra, elas podem construir e destruir candidatos. Basta prestar atenção nas conversas em diferentes locais após a divulgação de cada pesquisa: elas se tornam o assunto do dia seja em casa, no trabalho, na escola, nos bares ou nas redes sociais (compartilhando, curtindo, comentando, “retuitando”, etc.). Com os resultados dessas pesquisas, eleitores indecisos e os que haviam dito votar branco ou nulo começam a repensar a decisão, a tomar um partido. Além disso, há aqueles que começam a se preocupar por ter escolhido, até então, o candidato que está na “lanterna” das pesquisas apresentadas. Uma parcela desses eleitores considera que votando em um candidato com poucas chances de vencer estariam “desperdiçando” seu voto e, então, migram para outro candidato com mais destaque nas pesquisas. Esta é uma das vertentes do chamado voto útil. 
O estudo científico do comportamento eleitoral é marcado, de acordo com ANTUNES (2008), por três modelos de investigação que são: o modelo sociológico (que tem como foco o estudo dos fatores sociais e suas influências no voto), o modelo psicossocial (que tem a identificação partidária como principal fator de explicação do comportamento dos eleitores) e o modelo da escolha racional (ou modelo do voto econômico) da qual faz parte o voto útil e outras variáveis racionais. Este último modelo utiliza, como referência, os estudos da economia política e busca simplificar o comportamento eleitoral por meio de uma analogia entre consumidores e eleitores: “se as empresas procuram maximizar os ganhos e os consumidores agem no sentido de maximizar a utilidade podemos, então, teorizar no sentido de que os eleitores procuram maximizar a utilidade do seu voto enquanto os partidos agem no sentido de maximizar os ganhos eleitorais obtidos com suas propostas políticas” (p.33).
Quando pesquisas apontam com frequência que o candidato “X” está em constante desvantagem na “corrida” eleitoral, este acaba sendo descartado por alguns eleitores que buscam essa “maximização” da utilidade de seu voto. Mal sabe o eleitor que aquele resultado ora apresentado como o resultado das urnas é algo momentâneo, influenciado por diversos fatores, até mesmo pelas três, cinco ou dez pesquisas anteriores que foram incansavelmente transmitidas pela mídia “indicando” o caminho pelo qual o eleitor deve seguir se quiser que seu voto realmente “faça a diferença” no processo eleitoral. E, assim, a tendência de queda acaba se concretizando no abandono real de um candidato e de um programa político que, inicialmente, poderia existir um público que concordava com o mesmo. Se não houvesse essa migração do “voto útil” a partir dos resultados apresentados pelas pesquisas de intenções de votos, o resultado final das urnas poderia realmente evidenciar uma indicação do caminho (ou caminhos) desejado pelo eleitor. Caso, após a tradicional pergunta feita nas pesquisas de intenções de voto “se a eleição fosse hoje, em quem você votaria?”, fosse questionado também se essa decisão é definitiva, talvez, parte dessa migração também fosse contida.
Mas, na medida em que muitos eleitores utilizam essas pesquisas como fonte de informação para decidir seu voto, as mesmas têm sido usadas como eficientes cabos eleitorais, com a clara intenção de indicar um “possível” caminho. Não estou nem considerando aqui a forma como a notícia do resultado da pesquisa é transmitida, que seria, para outro momento, outra fonte de análise do discurso da mídia. 
Voltando aos resultados propriamente ditos das pesquisas, é possível indicar que o candidato “X” está caindo nas pesquisas, evidenciar que o candidato “Y” está crescendo cada vez mais, enquanto o candidato “Z” está estagnado. Tecnicamente isso pode ser feito sem a necessidade de burlar ou falsificar números, basta que a maior (ou menor) parte das pessoas entrevistadas na amostra da pesquisa faça parte (ou não) dos “redutos” ou colégios eleitorais do candidato que se quer evidenciar (ou derrubar). E, no fim, não importará “quem errou” ou “quem acertou”, mas sim, com qual intenção (para beneficiar ou derrubar qual dos candidatos?). É preciso olhar nas entrelinhas de cada resultado de pesquisa divulgada: quem realizou a pesquisa? Quem pagou pela pesquisa? A qual grupo político estão ligados? São questões fundamentais.

Por fim, é importante frisar que não é apenas a pequena possibilidade de vitória do candidato ou partido inicialmente escolhido que interfere na decisão pelo “voto útil”. De acordo com Antunes (2008) outra forte variável de influência é a possível vitória de um partido político indesejado. Em suas palavras, “a decisão pelo voto útil dependerá em larga medida da importância que o sujeito der à necessidade de manter determinado partido fora do governo (p.38)”. Nesse aspecto, o candidato à presidência Aécio Neves (PSDB) aproveitou bem este argumento em seu último programa eleitoral gratuito que foi ao ar no dia dois de outubro (primeiro turno). O último quadro do seu vídeo traz em áudio e texto a frase “Aécio, o voto útil para vencer o PT”. Nas entrelinhas, o discurso sugere: ao invés de votar em outros candidatos que não têm chances de ganhar a eleição ou derrotar o Partido dos Trabalhadores, não desperdice ou “inutilize” seu voto, escolha Aécio. Nesse discurso, qualquer outro voto que o eleitor pudesse dar seria “inútil”.  E ao que parece o “voto útil” também será a tônica da campanha deste candidato no segundo turno, com a clara intenção de atingir aqueles que rejeitam o partido opositor. Nos resta aguardar para verificar como as pesquisas de intenções de votos serão apresentadas.